quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

A Crença
Parte 1

A palavra é usada para determinar coisas totalmente diferentes. Fora de todo o tipo de contexto, será mais fácil de analisar. O objeto do raciocínio é descobrir, a partir daquilo que já sabemos, alguma outra coisa que desconhecemos. Consequentemente, o raciocínio é bom se oferecer uma conclusão verdadeira a partir de premissas verdadeiras. A questão da sua validade é puramente uma questão de facto e não de raciocínio. Se A são as premissas e B a conclusão, estes fatos estão de tal forma relacionados que, se A é, B também o será. Assim, a inferência é válida. Se tal não ocorrer, não o é. Não é de menor importância saber que, quando as premissas são aceites pela mente, sentimos um impulso para aceitar também a conclusão. Normalmente, o nosso raciocínio processa-se naturalmente de forma correta. Mas isso é puro acaso. A conclusão verdadeira permaneceria verdadeira mesmo que recusássemos em aceitá-la. A falsa permaneceria falsa, embora não pudéssemos resistir à tendência para acreditar nela.

Somos os principais animais lógicos, mas não o somos sempre. Muitos de nós, por exemplo, são naturalmente mais emocionais e esperançosos do que a lógica permite. Parecemos ser constituídos de tal modo que, na ausência de provas de facto que justifiquem certas realidades, ficamos conformados. O efeito da experiência é contrariar precisamente as nossas esperanças e aspirações. Onde a esperança não é confrontada com a experiência, é provável que o nosso otimismo se engrandeça. Ser lógico é a qualidade mais útil que um animal pode possuir, todavia, é provavelmente mais vantajoso para o animal ter a sua mente plena de intuições agradáveis e encorajadoras, independentemente da sua verdade. O senso comum, ou o pensamento tal como emerge na dimensão prática, está marcado por má qualidade lógica, à qual a designação de metafísica é normalmente aplicada.


Existe uma discrepância entre a sensação de duvidar e a de acreditar, porém não é só isso que distingue a dúvida da crença. As nossas crenças orientam os nossos desejos e formatam as nossas ações. O sentimento de crença é uma prova que a nossa natureza possui hábitos que determinam as nossas ações. A dúvida nunca tem tal efeito. A dúvida é um estado de desconforto e insatisfação do qual nos tentamos libertar e passar ao estado de crença. Este é um estado calmo e satisfatório que não desejamos evitar. Tanto a dúvida como a crença têm efeitos positivos sobre nós. A crença não nos faz agir imediatamente, porém induz-nos a comportar-nos de certa forma, nos momentos certos. A dúvida estimula-nos a agir até que é desfeita.

Eduardo de Montaigne 


(Wasted Rita)

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