A Crença
Parte 1
A palavra é usada para determinar
coisas totalmente diferentes. Fora de todo o tipo de contexto, será mais fácil
de analisar. O objeto do raciocínio é descobrir, a partir daquilo que já
sabemos, alguma outra coisa que desconhecemos. Consequentemente, o raciocínio é
bom se oferecer uma conclusão verdadeira a partir de premissas verdadeiras. A
questão da sua validade é puramente uma questão de facto e não de raciocínio.
Se A são as premissas e B a conclusão, estes fatos estão de tal forma
relacionados que, se A é, B também o será. Assim, a inferência é válida. Se tal
não ocorrer, não o é. Não é de menor importância saber que, quando as premissas
são aceites pela mente, sentimos um impulso para aceitar também a conclusão.
Normalmente, o nosso raciocínio processa-se naturalmente de forma correta. Mas
isso é puro acaso. A conclusão verdadeira permaneceria verdadeira mesmo que
recusássemos em aceitá-la. A falsa permaneceria falsa, embora não pudéssemos
resistir à tendência para acreditar nela.
Somos os principais animais lógicos, mas não o
somos sempre. Muitos de nós, por exemplo, são naturalmente mais emocionais e
esperançosos do que a lógica permite. Parecemos ser constituídos de tal modo
que, na ausência de provas de facto que justifiquem certas realidades, ficamos
conformados. O efeito da experiência é contrariar precisamente as nossas
esperanças e aspirações. Onde a esperança não é confrontada com a experiência,
é provável que o nosso otimismo se engrandeça. Ser lógico é a qualidade mais útil
que um animal pode possuir, todavia, é provavelmente mais vantajoso para o
animal ter a sua mente plena de intuições agradáveis e encorajadoras,
independentemente da sua verdade. O senso comum, ou o pensamento tal como
emerge na dimensão prática, está marcado por má qualidade lógica, à qual a
designação de metafísica é normalmente aplicada.
Existe uma discrepância entre a
sensação de duvidar e a de acreditar, porém não é só isso que distingue a
dúvida da crença. As nossas crenças orientam os nossos desejos e formatam as
nossas ações. O sentimento de crença é uma prova que a nossa natureza possui
hábitos que determinam as nossas ações. A dúvida nunca tem tal efeito. A dúvida
é um estado de desconforto e insatisfação do qual nos tentamos libertar e passar
ao estado de crença. Este é um estado calmo e satisfatório que não desejamos
evitar. Tanto a dúvida como a crença têm efeitos positivos sobre nós. A crença
não nos faz agir imediatamente, porém induz-nos a comportar-nos de certa forma,
nos momentos certos. A dúvida estimula-nos a agir até que é desfeita.
Eduardo de Montaigne
(Wasted Rita)
Sem comentários:
Enviar um comentário