O renascimento e as suas mensagens subliminares
O valor atribuído à arte foi algo
que sempre me levou a refletir. A arte encontra-se presente sob muitas formas,
todavia não é essa a motivação que me leva a abordá-la agora. A arte sempre
transportou consigo profundos reflexos da psique humana, da política, da
sociedade, da religião, os medos e anseios do homem. No entanto, as mensagens
que dela retiramos são maioritariamente interpretações nossas. Claro está que
tem que se levar em consideração todos os contextos em que ela nasce. A arte
carrega muitas vezes consigo mensagens ocultas, por vezes não tão ocultas
assim, mas por outras, realmente difíceis de desvendar. Trago aqui dois
exemplos.
O primeiro, Giotto de Bondone, que
fundara nos seus dias uma nova maneira, simples e evidente de representar as
histórias religiosas do antigo e do novo testamento, bem como a história de São
Francisco de Assis, quase seu contemporâneo. Marcado pelo humanismo, numa de
suas obras, um fresco datado do século 13, e que se encontra na Basílica de São
Francisco de Assis em Peruglia, viu-se recentemente uma figura oculta ser revelada.
Depois de passar despercebido durante oito séculos, a especialista em arte
medieval Chiara Frugoni descobriu que Giotto incluiu numa das nuvens o sorriso
de um demónio. Giotto, pai do renascimento, e inovador na representação dos
santos como figuras humanas, sujeitou-se a ter muito que explicar se tal facto
tivesse sido descoberto pelos seus contemporâneos. Teria agido por mera
diversão? Tentaria ele fazer alguma afirmação? Penso todavia tratar-se do
segundo caso. É possível que quisesse com este demónio representar a dessacralização
do homem quando visto como um santo. A ascensão do humano à santidade como algo
ridículo. Poderia também ter tentado provocar alguém. O fresco tem como título
“A morte de S. Francisco”, e penso que Giotto conseguiu fazer, à sua maneira,
uma afirmação satírica sobre a sacralização do mundano, na capela do próprio
santo, sem que ninguém percebesse.
No outro caso, trago o mais ilustre
representante do renascimento, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni. O fresco
mais famoso da Capela Sistina, a cena que representa um episódio do Livro do Génesis,
onde Deus dá origem ao primeiro homem. Michelangelo conhecia profundamente a
anatomia humana, daí o realismo presente nas suas obras. Alguns estudiosos
apontaram que Deus e os anjos que o rodeiam na imagem estariam sobrepostos à
figura de um cérebro. Levantaram-se várias hipóteses sobre a significação desse
facto, sendo uma delas, que Michelangelo quisesse transmitir a ideia que a
religião não passa de um produto da mente humana. Quando a Capela Sistina foi
restaurada no final do século 20, os trabalhos revelaram outras mensagens
ocultas. Entre as mais famosas está um gesto obsceno de um querubim dirigido ao
Papa de então. Aparentemente, a seriedade com que muitos olham para algo, nem
sempre encontra correspondência na mente de um artista.
Eduardo de Montaigne
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