terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Espaço do correspondente - Eduardo de Montaigne

O renascimento e as suas mensagens subliminares

O valor atribuído à arte foi algo que sempre me levou a refletir. A arte encontra-se presente sob muitas formas, todavia não é essa a motivação que me leva a abordá-la agora. A arte sempre transportou consigo profundos reflexos da psique humana, da política, da sociedade, da religião, os medos e anseios do homem. No entanto, as mensagens que dela retiramos são maioritariamente interpretações nossas. Claro está que tem que se levar em consideração todos os contextos em que ela nasce. A arte carrega muitas vezes consigo mensagens ocultas, por vezes não tão ocultas assim, mas por outras, realmente difíceis de desvendar. Trago aqui dois exemplos.

O primeiro, Giotto de Bondone, que fundara nos seus dias uma nova maneira, simples e evidente de representar as histórias religiosas do antigo e do novo testamento, bem como a história de São Francisco de Assis, quase seu contemporâneo. Marcado pelo humanismo, numa de suas obras, um fresco datado do século 13, e que se encontra na Basílica de São Francisco de Assis em Peruglia, viu-se recentemente uma figura oculta ser revelada. Depois de passar despercebido durante oito séculos, a especialista em arte medieval Chiara Frugoni descobriu que Giotto incluiu numa das nuvens o sorriso de um demónio. Giotto, pai do renascimento, e inovador na representação dos santos como figuras humanas, sujeitou-se a ter muito que explicar se tal facto tivesse sido descoberto pelos seus contemporâneos. Teria agido por mera diversão? Tentaria ele fazer alguma afirmação? Penso todavia tratar-se do segundo caso. É possível que quisesse com este demónio representar a dessacralização do homem quando visto como um santo. A ascensão do humano à santidade como algo ridículo. Poderia também ter tentado provocar alguém. O fresco tem como título “A morte de S. Francisco”, e penso que Giotto conseguiu fazer, à sua maneira, uma afirmação satírica sobre a sacralização do mundano, na capela do próprio santo, sem que ninguém percebesse.




No outro caso, trago o mais ilustre representante do renascimento, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni. O fresco mais famoso da Capela Sistina, a cena que representa um episódio do Livro do Génesis, onde Deus dá origem ao primeiro homem. Michelangelo conhecia profundamente a anatomia humana, daí o realismo presente nas suas obras. Alguns estudiosos apontaram que Deus e os anjos que o rodeiam na imagem estariam sobrepostos à figura de um cérebro. Levantaram-se várias hipóteses sobre a significação desse facto, sendo uma delas, que Michelangelo quisesse transmitir a ideia que a religião não passa de um produto da mente humana. Quando a Capela Sistina foi restaurada no final do século 20, os trabalhos revelaram outras mensagens ocultas. Entre as mais famosas está um gesto obsceno de um querubim dirigido ao Papa de então. Aparentemente, a seriedade com que muitos olham para algo, nem sempre encontra correspondência na mente de um artista.


Eduardo de Montaigne



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