A Crença
Parte 2
Enterrar a cabeça na areia assim
que algo desconfortável se aproxima, pode ser a decisão mais feliz.
Escondermo-nos da verdade e dizer que o perigo não existe. Se nos sentimos
perfeitamente seguros, é evidente que o perigo não existe. De reparar que quando
algo de muito mau está prestes a acontecer, imediatamente e instintivamente
fechamos os olhos. É quase uma reação reflexa. Será que estamos programados
para a crença contra realidades que nos façam infelizes? Um homem pode
atravessar toda uma vida, mantendo fora do seu campo de visão tudo que poderia
causar uma mudança nas suas opiniões.
Deveríamos necessariamente
influenciar as opiniões uns dos outros. Com sua origem na incapacidade de
explicação de determinadas realidades, e para satisfazer as nossas dúvidas
fundamentais, vendeu-se sempre a ideia que as nossas crenças não podiam ser
causadas por algo humano, mas por algum motivo externo.
Existem pessoas agarradas à sua
crença em ídolos, deuses e afins, pensando que tudo correrá bem se tiverem fé.
Talvez isso lhes sirva de consolo. Talvez eu próprio tenha medo que, não
acreditar é o que me move. Acredito contudo que esta vida é tudo o que temos. Nada
mais há além da morte e nem mil orações nos salvam. A maldade acontece impunemente.
Sinto um profundo desalento
quando vejo alguém depositar o seu destino nas mãos de entes divinos. Se Deus
mostrasse a sua existência tudo seria mais fácil. Afinal, aparecer-nos por uns
momentos seria o modo de nos conquistar. Pelo menos tenho a certeza que todos
abandonariam a superinflacionada fé como premissa de participação na divindade.
Se o objetivo das divindades é a nossa crença cega, isso parece-me extremamente
incómodo. Confiar em alguém que nunca vimos é uma coisa, todavia, dedicar toda
uma vida à devoção de um ser assim é bem mais perturbador.
Alguns de nós têm a certeza que
nada assim existe, todavia só o costumamos afirmar em voz alta quando estamos
em agonia, como quando alguém que amamos morre e deixa este mundo, deixando-nos
irremediavelmente inconformados com a injustiça divina.
Em alguns contextos da vida, os
infiéis são vítimas de ostracismo por parte dos crentes institucionais. É óbvio
que o mistério da criação, que cada vez é menos misterioso, ainda nos faz
pensar que teria que haver algo responsável por tudo o que existe, contudo, é
cada vez mais difícil de aceitar tal paradigma. Penso que, naqueles momentos em
que achamos que estamos destinados a algo, talvez acreditemos que tudo se
conjuga para que determinado fim aconteça, mas, na verdade, tudo parece ser
obra do acaso. Se este acaso é Deus, então tenho pela frente muita reflexão a
fazer.
Eduardo de Montaigne
Parte 1
(Teresa Freitas)
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