terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

A Crença
Parte 2

Enterrar a cabeça na areia assim que algo desconfortável se aproxima, pode ser a decisão mais feliz. Escondermo-nos da verdade e dizer que o perigo não existe. Se nos sentimos perfeitamente seguros, é evidente que o perigo não existe. De reparar que quando algo de muito mau está prestes a acontecer, imediatamente e instintivamente fechamos os olhos. É quase uma reação reflexa. Será que estamos programados para a crença contra realidades que nos façam infelizes? Um homem pode atravessar toda uma vida, mantendo fora do seu campo de visão tudo que poderia causar uma mudança nas suas opiniões.

Deveríamos necessariamente influenciar as opiniões uns dos outros. Com sua origem na incapacidade de explicação de determinadas realidades, e para satisfazer as nossas dúvidas fundamentais, vendeu-se sempre a ideia que as nossas crenças não podiam ser causadas por algo humano, mas por algum motivo externo.

Existem pessoas agarradas à sua crença em ídolos, deuses e afins, pensando que tudo correrá bem se tiverem fé. Talvez isso lhes sirva de consolo. Talvez eu próprio tenha medo que, não acreditar é o que me move. Acredito contudo que esta vida é tudo o que temos. Nada mais há além da morte e nem mil orações nos salvam. A maldade acontece impunemente.

Sinto um profundo desalento quando vejo alguém depositar o seu destino nas mãos de entes divinos. Se Deus mostrasse a sua existência tudo seria mais fácil. Afinal, aparecer-nos por uns momentos seria o modo de nos conquistar. Pelo menos tenho a certeza que todos abandonariam a superinflacionada fé como premissa de participação na divindade. Se o objetivo das divindades é a nossa crença cega, isso parece-me extremamente incómodo. Confiar em alguém que nunca vimos é uma coisa, todavia, dedicar toda uma vida à devoção de um ser assim é bem mais perturbador.

Alguns de nós têm a certeza que nada assim existe, todavia só o costumamos afirmar em voz alta quando estamos em agonia, como quando alguém que amamos morre e deixa este mundo, deixando-nos irremediavelmente inconformados com a injustiça divina.

Em alguns contextos da vida, os infiéis são vítimas de ostracismo por parte dos crentes institucionais. É óbvio que o mistério da criação, que cada vez é menos misterioso, ainda nos faz pensar que teria que haver algo responsável por tudo o que existe, contudo, é cada vez mais difícil de aceitar tal paradigma. Penso que, naqueles momentos em que achamos que estamos destinados a algo, talvez acreditemos que tudo se conjuga para que determinado fim aconteça, mas, na verdade, tudo parece ser obra do acaso. Se este acaso é Deus, então tenho pela frente muita reflexão a fazer.

Eduardo de Montaigne
Parte 1


(Teresa Freitas)

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