II
Havia por ali um pequeno paraíso
que conhecia desde criança e para onde poderia ir. Era um lugar onde fora
feliz. Tranquilizava-o estar ali. Principalmente quando a sua ansiedade o fazia
precipitar numa inaptidão em digerir desesperos e crises.
Debruçava-se sobre um pequeno
riacho que ali se espreguiçava. Via o reflexo que se formava à superfície,
distorcido pela corrente e só possível pela presença de pedras escuras no
fundo. A água era fria e cristalina. Até ela fugia rapidamente da nascente na
tentativa de encontrar algo maior.
Olhava para si mesmo enquanto
procurava resistir dialeticamente aos seus pensamentos. Procurava fundir-se com
a pureza da água numa tentativa de ablução. A força que movia a água era uma
máscara, impedia que se olhasse nos olhos. Tinha medo da sua própria imagem. O
seu devir teria que acontecer, ele apenas não sabia como.
O passado lutava para assomar na
sua mente. Nunca conseguiria esquecer e de nada adiantava lamentar. O destino
era algo que desafiava a sua lógica. Travava uma incessante batalha para provar
que nada acontece por algum tipo de desígnio. Tudo estaria, sempre, nas nossas
mãos. No entanto, o curso da água nunca se inverteria. O seu tempo esgotava-se,
tudo o que poderia ter sido diferente agora não passava de um mero universo
paralelo, pleno de possibilidades por realizar.
Recusava conformar-se em aceitar
a ideia da sua própria fragilidade e finitude. Achava que tinha que haver uma
solução para tudo, mesmo para as suas dúvidas. Por breves momentos
desprendia-se dos seus funestos pensamentos e respirava profundamente. Tentava
deixar-se invadir pela paz do cenário exterior a si, como se a beleza que
contemplava, pudesse, de alguma forma, tornar menos lúgubre o seu interior. Não
tinha muita fé em limpezas existenciais, acreditava que as nossas inclinações
levam sempre a melhor. Sabia que a grande cegueira nunca foi não poder ver,
apenas não querer sentir.
Assumia que a verdadeira
felicidade é já não ter nada com que nos importemos. Havia, porém, muitas
coisas que ainda precisavam de ser explicadas. Nem o livre arbítrio nem a
crença num destino determinado eram suficientes para responder aos seus
anseios.
Eduardo de Montaigne part. I
(Lana Sutra)
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