V
Enquanto não compreendesse o seu
papel na vida, dificilmente conseguiria partilhar fosse o que fosse com alguém.
Tinha, apesar de tudo, guardado no canto mais escondido da sua alma, uma
declaração de amor. A declaração de amor que não habitava nas palavras mas
existia no olhar. Por muito ridículas ou românticas que as formas usadas para
transmitir que amamos alguém sejam, serão sempre os olhos os mais eloquentes.
Foi ali que tudo começou. Foi no momento em
que decidiu não perseguir a sua paixão mais doentia que parte da sua existência
ficou determinada, contra tudo aquilo em que acreditava.
Amor! Não queria nada disso,
rejeitava e renegava esse sentimento escravizante e narcótico, que ao não ser
atendido convenientemente, podia levar à loucura. Seria um mero acaso tropeçar
no amor. No entanto, quando assim é, sabemos de imediato que nada voltará a ser
igual na nossa vida. Imaginava o peso da cruz do amar e não conseguia olhar
mais além que isso.
Sabia descrever o amor, mas tal
não lhe pertencia, era um intruso que o perturbava. Partilhar, significaria
abdicar de toda a sua independência emocional, ficando reduzido a uma forma de
loucura persistente e ilógica, acabando por nunca nada possuir e nunca
encontrar paz. Seria essa a declaração da sua independência.
Era testemunha de um eterno
retorno. A vida seguia o seu curso e continuava a trazer ecos de loucuras
extremas há muito expiradas. A maior loucura era querer voltar a pertencer a
esse passado e não ao futuro. Tão jovem e tantas questões ainda por responder.
Tanto inconformismo e angústia existencial perigosamente agregados em alguém
com diletante sentido de viver.
- O amor é só para alguns, não
para todos. É a chama em que nos imolamos, desviando-nos para todo o sempre de
tudo aquilo que poderia ter sido. Amor é fogo que ardeu, mas nem ferida que dói
já é. Vacilou mas não morreu, viveu na mágoa, perdeu a fé.
Arredado de tais pecados, podia
agora preencher a sua existência longe do paralisante magnetismo do amor. A
compensação por escapar ao transe do contato terno iria eventualmente surgir.
Não queria nada menos que exercer os seus ideais.
(Lana Sutra)
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