quarta-feira, 1 de julho de 2015

Espaço do Correspondente - Eduardo de Montaigne

V

Enquanto não compreendesse o seu papel na vida, dificilmente conseguiria partilhar fosse o que fosse com alguém. Tinha, apesar de tudo, guardado no canto mais escondido da sua alma, uma declaração de amor. A declaração de amor que não habitava nas palavras mas existia no olhar. Por muito ridículas ou românticas que as formas usadas para transmitir que amamos alguém sejam, serão sempre os olhos os mais eloquentes.
Foi ali que tudo começou. Foi no momento em que decidiu não perseguir a sua paixão mais doentia que parte da sua existência ficou determinada, contra tudo aquilo em que acreditava.
Amor! Não queria nada disso, rejeitava e renegava esse sentimento escravizante e narcótico, que ao não ser atendido convenientemente, podia levar à loucura. Seria um mero acaso tropeçar no amor. No entanto, quando assim é, sabemos de imediato que nada voltará a ser igual na nossa vida. Imaginava o peso da cruz do amar e não conseguia olhar mais além que isso.
Sabia descrever o amor, mas tal não lhe pertencia, era um intruso que o perturbava. Partilhar, significaria abdicar de toda a sua independência emocional, ficando reduzido a uma forma de loucura persistente e ilógica, acabando por nunca nada possuir e nunca encontrar paz. Seria essa a declaração da sua independência.
Era testemunha de um eterno retorno. A vida seguia o seu curso e continuava a trazer ecos de loucuras extremas há muito expiradas. A maior loucura era querer voltar a pertencer a esse passado e não ao futuro. Tão jovem e tantas questões ainda por responder. Tanto inconformismo e angústia existencial perigosamente agregados em alguém com diletante sentido de viver.
- O amor é só para alguns, não para todos. É a chama em que nos imolamos, desviando-nos para todo o sempre de tudo aquilo que poderia ter sido. Amor é fogo que ardeu, mas nem ferida que dói já é. Vacilou mas não morreu, viveu na mágoa, perdeu a fé.

Arredado de tais pecados, podia agora preencher a sua existência longe do paralisante magnetismo do amor. A compensação por escapar ao transe do contato terno iria eventualmente surgir. Não queria nada menos que exercer os seus ideais. 

Eduardo de Montaigne part. Ipart. II, part. III, part IV


(Lana Sutra)

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