quinta-feira, 27 de junho de 2019

Uma visão sobre o trabalho docente - Parte 2



Parte 2 - Avaliação dos alunos que faz "reféns" os docentes 


Ser professor é uma autêntica missão. Nem todos a sentem dessa forma, é verdade, mas é uma missão que vem com todo o tipo de "bagagem" que faria qualquer um pensar duas vezes antes de falar do trabalho do professor como um privilégio ou sequer aceitar a tarefa de ser docente. Até porque, para se ser um docente minimamente estável na profissão nos dias de hoje, tem de se passar por muitas décadas de precariedade (se não desistir antes de conseguir ambicionar o tal "oásis" da estabilidade).  

Estamos a falar de um trabalho que traz com ele as mais diversas siglas que mudam todos os anos, legislação em catadupa que exige um acompanhamento digno de juristas, relatórios e grelhas de toda a espécie. Estamos a falar de um trabalho que nos acompanha para onde quer que vamos, ele está sempre presente em nós e muito do trabalho "invísivel" é realizado em casa. Estamos a falar de um trabalho com reuniões intermináveis que fazem com que os docentes, na maior parte das vezes, possuam a radiografia dos problemas que enfrentam mas nunca consigam que o diagnóstico lhes aponte uma cura para o problema, tais são os constrangimentos do sistema educativo (falta de horas de crédito horário para mais professores, falta de espaço, falta de apoios, falta de resposta dos serviços médicos, etc). O aluno fica "preso" no ensino regular até ter idade para ir para o tal prometido CEF, muitas vezes quando se sabe que a escola não proporcionou (devido aos tais constrangimentos) todas as condições para que esse aluno tivesse sucesso e para os seus professores serem capazes de lhe proporcionar. 

Claro que tudo fica devidamente registado na devida redoma burocrática com atas sem fim, tentando-se todo o tipo de estratégias e apresentando-se todo o tipo de sugestões que acabam indubitavelmente no "céu" das atas. E lá ficam para todo o sempre arquivadas. Hoje os professores não são profissionais de educação, são profissionais da escrita em atas e da burocracia em grelhas de excel, e também especialistas de psicologia, de medicina, um porto de abrigo para muitos alunos, pais e mães substitutos para outros tantos. 

Assim, quando um professor chega às reuniões de avaliação do 3.º período, as coisas complicam-se porque é confrontado com todo o conhecimento humanista que possui do aluno desde o início do ano letivo, deixando de lado a medição avaliativa que, como que por "magia", quase passa a ser um acto de caridade, mesmo que, muitas vezes, se trate de alunos com casos de indisciplina. Indisciplina, essa, que não foi e não pode ser solucionada da forma como o sistema está organizado actualmente. 

Muitos alunos indisciplinados simplesmente não se adaptam ao ensino regular, acabando por se tornar muitas vezes no maior problema da sala de aula. Não é por isso de admirar que muitos docentes considerem que a única "arma" que possuem para atestar a sua autoridade é a questão de irem tentando, ao longo do ano, passar a ideia (a alunos e encarregados de educação) de que a nota determina a transição ou a não transição de ano.

Para além de décadas de medidas educativas falhadas, o maior problema actual, sob a alçada dos decretos-lei 54/2018 e 55/2018, é o de que o paradigma avaliativo subitamente mudou. A questão já não é como não se retêm os alunos, o problema maior é o facto de os mesmos transitarem (com a subida "mágica" dos níveis em conselho de turma), dando a ilusão aos encarregados de educação de que os seus educandos transitam por mérito próprio (independentemente do que tenham feito, ou não, ao longo do ano letivo).

Quando se chega ao 3.º período, as grelhas de avaliação contínua dos docentes que tanto medem a evolução dos alunos ao longo do ano letivo, passam a estar sob o jugo de um ambiente de alegada "pressão" dos directores e das metas do agrupamento, fazendo com que os docentes entrem numa espécie de transe, numa espécie de "leilão" (sob pressão acrescento) das notas dos seus alunos. Isso aliado, também ao cliché do "tem que passar" ou "transita porque tem uma idade elevada", ou "transita porque não é ano terminal", ou "transita com promessas de integrar um CEF", ou transista ou...ou transita ou...ou transita...e pronto assim se acaba mais um ano letivo: "transitando". 


Parte 3 - A ser assim, por que é que os decisores políticos não assumem publicamente e de forma transparente a não retenção dos alunos para podermos finalmente avançar?  (aqui)



(Arquillect)



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