quinta-feira, 27 de junho de 2019

Uma visão sobre o trabalho docente - Parte 3



Parte 3 - A ser assim, por que é que os decisores políticos não assumem publicamente e de forma transparente a não retenção dos alunos para podermos finalmente avançar? 

Já perdi a conta ao que escrevi e reescrevi nesta parte, dada a complexidade que o tema abarca. Sejamos claros, as retenções dos alunos não são aceites, nem pela tutela, nem pelo poder político, nem mesmo pela sociedade civil. Os primeiros, porque vêem nisso os falhanços da implementação das suas reformas políticas; os segundos, porque a retenção do aluno tem um custo para o orçamento de estado e para o contribuinte; os terceiros, porque vêem retidos os seus educandos e pagam impostos, pelo que tal não pode ser aceite. 

Isto cria desde logo um problema para os docentes que acabam por ficar aprisionados neste contexto actual. Existem alguns aspetos que não podem ser esquecidos: não se pode ensinar quem não quer ser ensinado, não existem estratégias infinitas e, por último, não se consegue ensinar sem condições para tal. E é deste ponto que partimos para o problema das retenções. Só os professores que fazem o impossível nas escolas sabem verdadeiramente a frustação de chegar ao 3.º período e ver a sua proposta de nota votada pelo conselho de turma para o aluno transitar por alegadas pressões de terceiros ou supostas orientações da tutela para tal. 

Já é mau o suficiente um professor validar a retenção de um aluno, não é um processo fácil para ninguém, cada caso é um caso e não se confina apenas à Matemática do Excel. Há inúmeros motivos para um aluno ter insucesso, não se reduzindo apenas ao facto de não estudar (como expliquei na primeira parte deste texto). Mas estou a falar de casos de alunos que claramente não querem estar na escola, inadaptados, conflituosos, niilistas e, por vezes, violentos (aqui). 

Reter um aluno é admitir que o trabalho do docente fracassou e que a escola falhou, mas também que os encarregados de educação falharam. O docente falhou porque não conseguiu motivar o aluno a ter o mínimo sucesso possível; a escola falhou porque não deu as condições ao professor e ao aluno para o sucesso; e os encarregados de educação falharam porque provavelmente não conseguiram motivar os seus educandos para estudar ou para dar uma oportunidade à escola. 

Mas então por que é que o professor perde a opção de reter o aluno? Ou de o mesmo transitar, embora com os níveis negativos em pauta (sejam quantos forem)? 

Temos que perceber que todos os caminhos traçados (li duas sugestões aqui e aqui) apenas levarão a mais burocracia e trabalho acrescido para os docentes, porque o resultado já é esperado: o aluno tem que transitar (como escrevi nas duas partes anteriores). 

O caminho a seguir não é fácil e todos os que surgirão a partir da flexibilidade curricular serão altamente complexos e provavelmente criticáveis (aqui). Não tenho uma resposta para a retenção dos alunos ou para a indisciplina crescente no sistema de ensino. Sei apenas que tudo seria mais fácil se houvesse verdadeiramente uma aposta maior na educação e, dessa forma, as coisas poderiam ser muito diferentes. Lanço assim algumas sugestões:


- alteração do modelo de gestão das escolas para um modelo mais democrático; - revisão e alteração dos currículos, "limpando-os" da sobrecarga que actualmente possuem (sobretudo no primeiro ciclo e, partindo daí, para todo o ensino básico), sendo esses gizados para serem mais graduais, com mais tempo para aprender;



- reduzir a burocracia nas escolas;



- aposta em mais crédito horário nas escolas para haver mais apoios (logo desde que as dificuldades de aprendizagem se manifestam) e para mais supervisão de indisciplina;

- mais aposta de meios na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ);

- aposta em mais assistentes sociais em todas as escolas;

- aposta em mais psicólogos nas escolas;

- possibilidade de se poder dividir turmas e de contratar professores para que os alunos sinalizados como potencialmente indisciplinados e/ou de fraco rendimento possam ser devidamente apoiados e supervisionados, retirando-os das turmas e criando turmas de nível temporárias;

- aposta em espaços mais lúdicos nas escolas e mais tempo para brincar;

- aposta em criação de projectos de arte na escola, de espaços para criar música, de espaços para realizar desportos como forma de diminuição da indisciplina;

- a escola criar condições para os alunos realizarem os trabalhos de casa ou um estudo extra-aula de forma apoiada (e também a possibilidade de os alunos brincarem, em vez de irem obrigatoriamente para os ATL);

- reestruturar os Cursos de Educação e Formação, já que como estão actualmente são, muitas vezes, um nicho para os alunos indisciplinados;

- criação de um programa europeu de intercâmbio de experiências/formação para os docentes.



Querem criar um verdadeiro sucesso educativo? Então tem que se apostar na Educação e não atulhar o sistema com as mais diversas reformas educativas sem se saber para onde caminhamos e, sobretudo, sem se reparar os males que permanecem. Libertem finalmente os professores para poderem fazer aquilo para que foram formados: ensinar. Sem subterfúgios e com uma agenda clara. 


Parte 1- O desafio e a complexidade do trabalho docente sob uma evidente falta de cultura de escola (aqui)


Parte 2 - Avaliação dos alunos que faz "reféns" os docentes (aqui)



(Arquillect)




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