"Caro Sr. Ministro Nuno Arrobas Crato,
Dirijo-me a si depois de mais algumas polémicas e desacatos
que voltou a provocar junto dos professores. Sim, refiro-me precisamente à
malfadada PACC, aos comentários que teceu publicamente ontem na RTP, ao seu
comunicado do MEC que “diz que afinal não disse aquilo que todos ouviram” e até
de outros velados argumentos de colegas seus, do Governo.
Como não deverá ter muito tempo a perder ou dispensar para
comigo (afinal um mero licenciado em ensino por um curso ministrado numa escola
superior de educação num instituto politécnico) mas ainda na leve esperança de
ler esta carta, enumerarei os argumentos que adiante lhe apresento, facilitando-lhe
assim a leitura.
1.
Gostaria
de o informar que iniciei o meu percurso académico na Escola Superior de
Educação do Porto (pertencente ao Instituto Politécnico do Porto) corria o ano
de 1992. Optei pela licenciatura em ensino de Educação Visual e Tecnológica e
naturalmente realizei as provas de admissão que me eram pedidas e obrigatórias;
2.
Acabei
o curso nos quatro anos previstos e ao contrário do que o Senhor pensa, durante
o meu curso, que também habilitava para a docência ao 1º CEB, frequentei
cadeiras como “Ciências da Educação” durante 3 anos (com componentes de
História da Educação, Sociologia, Psicologia, Metodologias, etc, etc…) ou
Matemática – Ensino da Matemática I e II (2 anos) ou Português – Ensino do
Português I, II e II (3 anos) ou ainda Meio Físico e Social I e II. Mas ainda
mais: informo-o que nos quatro anos de duração do curso tive um total de 730
horas (sim, setecentas e trinta horas) de Prática Pedagógica… E já nem vou
considerar as “Metodologias Específicas”. Caso pretenda, consulte a Portaria
n.º 758/94 de 22 de Agosto onde pode verificar o meu plano de estudos que
cumpri integralmente;
3.
Aconselho-o
ainda a consultar a Portaria n.º 212/93 de 19 de Fevereiro e dedique-se uns
breves instantes à leitura atenta dos dois pontos do artigo 6º. Veja e analise
bem o que lá diz: “a titularidade do grau… confere qualificação profissional
para…”. Caso não tenha entendido, o curso que frequentei confere-me habilitação
e qualificação profissional para a docência;
4.
Como
deve compreender, tanto eu como qualquer outro professor, tenha ele 1 ano de
serviço, 10, 17 anos de serviço (o meu caso) ou 30, quando se inscreveu num
determinado curso, o mesmo existia pois havia uma Portaria que o regulamentava.
Essa Portaria é clara ao definir a sua “qualificação profissional”;
5.
Por
esta ordem de ideias, torna-se completamente absurdo pedir retroactivamente que
um qualquer professor, com mais ou menos anos de serviço, vá fazer uma PACC.
Essa prova (tentativa) teve como função apenas isso mesmo: provar que nada
prova. Se um professor contratado é obrigatoriamente avaliado todos os anos e
se já deu as provas para obtenção da sua qualificação profissional, qual a
razão para o “castrar”? Diz Vossa Excelência que isso dignifica os professores
e a profissão docente? Sei que sabe que isso é mentira…
6.
Mas
o Senhor mente. Sim, é verdade. Das três, uma: ou o faz quase compulsivamente
sem sequer já perceber isso; ou tenta passar uma imagem e uma ideia errada para
a opinião pública; ou pura e simplesmente não sabe mesmo do que fala. Eu
explico-lhe: leu com atenção o ponto 2 desta carta? Lembra-se do que tem dito
acerca da PACC e dos cursos via ensino, nos últimos tempos? Eu explico a razão
de ser para o que escrevi. Quando enunciei algumas das cadeiras que frequentei
no meu curso superior foi para lhe explicar que mente quando fala sobre o ser
inadmissível um professor não ter matemática ou ter tido fracas notas (é essa a
mensagem que claramente o senhor quer fazer passar para humilhar os
professores). Percebeu agora a mentira que faz propagandear? Eu falo e explico-lhe
como o meu próprio caso: tive Português e Matemática em todo o ensino básico,
secundário e superior. Se até fosse possível (e era) no ensino básico passar de
ano sem aprovação a essas disciplinas, não consolidaria quaisquer bases
científicas necessárias (como bem sabe) para aprovação nas mesmas no ensino
secundário e superior sendo obviamente impossível entrar no ensino superior sem
aprovação a todas as disciplinas do secundário ou licenciar-me sem aprovação
nas mesmas que enunciei. Compreende?
7.
Assim
se constrói a falácia de que os professores estão mal preparados. Aliás, veja
as Portarias de todos os cursos ministrados nas Escolas Superiores de Educação,
nos Politécnicos… Vai constatar precisamente que todos os professores que se
formaram nas ESE's são aqueles que têm o leque mais abrangente de disciplinas
na sua formação. Sim, essas a que se refere como essenciais (Português e
Matemática) ou agora também alude à História e Geografia mas sem ter o mínimo
de vergonha que a grande maioria das pessoas possa dizer “não sei desenhar” ou
“não sei como funciona” (um mecanismo simples);
8.
Neste
momento já consegue perceber o alcance das minhas palavras quando mais uma vez
abre uma guerra. Se já a abriu entre professores contratados e dos quadros,
entre os contratados e contratados, virá depois a guerra entre os dos quadros
com os que vai querer enviar para “requalificação” e agora lança-se a guerra
entre Universidades e Politécnicos. De uma vez por todas, não faça jogos
destes. Esta tarde deparei-me com uma espécie de recadinhos enviados pela
caderneta escolar: primeiro o ministro fala na RTP e lança a guerra afirmando o
que afirmou e que todos ouviram e perceberam mas depois, quase como pedido de
desculpa por não saber o que diz, emite-se um comunicado a “dizer que o que se
disse não era bem o que se disse ou qualquer coisa assim que se queria dizer e
passou por se dizer outra…”. Confuso? Não! Claríssimo… Mandou recado. Mas é
normal vê-lo fugir dos debates na Assembleia e outro tipo de comunicação (pois
é cada vez mais difícil);
9.
Voltando
à PACC, refiro-lhe que foi com agrado que verifiquei no dia de ontem que
existem professores que são verdadeiros Homens e Mulheres de princípios éticos
e morais e que não se submeteram a tamanha barbaridade. Já lhe expliquei
porquê, certo? Todos eles já têm “qualificação profissional”. O que se passou
devia levá-lo a reflectir seriamente. Quando existem normas e regras para
cumprir, estipuladas e pelas quais se devem todos reger em igualdade, que legitimidade
há para se dizer que foram os professores a portar-se mal? Recordo-lhe o artigo 21º da Constituição da República
Portuguesa. Sim, esse mesmo, o do Direito de Resistência: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem
que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força
qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.
10. Quem se portou mal afinal? Talvez queira passar a
mensagem de que os professores são uma vergonha. Aliás, peço-lhe o favor de
transmitir aos Doutores Poiares Maduro e Marques Guedes que uma vergonha foi,
não o que eles quiseram ver e dizer mas aquilo que foi uma verdade, e refiro-me
aqui apenas e só uma delas: numa escola estavam montadas num ginásio largas
dezenas de mesas e cadeira montadas para se fazer a PACC. Eu pergunto se
perante esse caso se estavam a cumprir as regras que foram definidas? Não havia
uma violação clara às regras? Não foi essa forma tentada que se preparava para
“furar” um direito legítimo à greve? Onde estaria aqui a igualdade? Eu vi isso
de outra forma: ARTIGO 21º. Foi a única forma de os professores verem
respeitados os seus direitos, liberdades e garantias. Resistiram para defender
um direito. Nobres Homens e Mulheres a quem lhes tiro o chapéu e me merecem
todo o respeito. A isso chama-se DIGNIDADE. Transmita isso a esses senhores
pois eles ainda não perceberam que os pais (e o país) devem é preocupar-se (e
preocupam) com a destruição da escola pública quando vocês aumentam o número de
alunos por turma, reduzem o número de professores ou quando deixam de facultar
apoio especializado para os alunos do ensino especial (enuncio apenas estes
pois a lista seria infindável);
11. Ainda em relação ao ponto
anterior, faça Vossa Excelência o favor de transmitir as minhas palavras aos
senhores referidos, fique com elas também e propague as mesmas no próximo
conselho de ministros e a todos os deputados do PSD e CDS/PP que aprovam lei e
normas INCONSTITUCIONAIS… Isso sim, falta de respeito e de palavra pelo que
juraram fazer cumprir. Aproveite ainda para transmitir a outros, que ouço neste
preciso momento… Falo de Marco António Costa… a referir que o chumbo do
Constitucional trará graves consequências… Ai sim?... Que nojo me metem…
12. Mas voltemos às “nossas
questões”. Posso perguntar-lhe quem são os seus secretários ou assessores?
Também eles fizeram uma prova? Uma qualquer PACC (ou o que lhe quiser chamar)?
Tenho a certeza que não. Alguns recém-licenciados sem qualquer currículo e sem
qualquer conhecimento do mundo da educação, sem uma palavra saber articular…
Mas estão lá, certo? Isso sim, é grave… São o quê? Jotinhas, ex-bloguers, têm
que ter “cartão de associado”? Não se aborreça com as minhas palavras. Não vale
a pena… Durante muito tempo me habituei a encontrar em colegas e algumas
pessoas respeitáveis na Internet todas as informações que o seu Ministério
demora meses a tentar disponibilizar (se algum dia conseguir). Queria ver esses
a fazerem uma PACC…
13. E sobre PISA? Ouvi-o
dizer na RTP que os resultados obtidos a si são devidos. Já lhe interessa,
certo? Mentiu outra vez… Quer se queira ou não, se goste ou não, são resultado
de políticas anteriores. MENTIU… Veremos daqui a uns anos, após ter mudado
programas e metas e no próximo resultado cá estaremos para o escrutínio. Mas
esse possível mérito não é seu, de todo. Aliás, fica-me na retina e nos ouvidos
aquelas afirmações da liberdade de escolha, do cheque ensino e de alguém que
lhe louva a política a referir compulsivamente a Suécia como exemplo. Pois é…
Suécia, da política do cheque ensino que implementou e colapsou nestes últimos
resultados. Mas até lhe digo uma coisa: se os resultados se mantiverem ou
subirem, iremos ver quantos alunos com menores capacidades de aprendizagem
eliminou da escola e outros que não interessam para os “rankings”;
14. O senhor continua a
enganar. A mim não, mas a tentar fazer isso com quantos a possa fazer chegar.
Felizmente sei que os professores e principalmente os pais e encarregados de
educação já perceberam as suas limitações e sabem que só ainda não se foi
embora… (mistério… ninguém sabe porquê… não o deixam?).
15. Voltando ao
profissionalismo dos docentes, acha mesmo que esta PACC avalia alguma coisa? E
se correr mal a alguém? Só por acaso… É que “por acaso” um excelente professor
pode ter um dia mau… mas um “mau professor” raramente terá um dia bom… E o
curso que fizeram todos os professores avaliou isso mesmo. Durante ANOS…
Pode-se cair no erro de “castrar” um excelente professor por uma prova que nada
provou… Perdoar-lhe-iam os pais que viram um professor excelente caminhar com
os seus filhos e ensiná-los ser “castrado”?
16. E diz o Senhor que há
diferenças entre Politécnicos e Universidades? Há, claro que há… Se o Senhor
duvida, Por Favor, diga-o mas afirme claramente em que se baseia para tal. Se
não apresentada dados e provas, não é Ministro… Não é conhecedor… passamos
então, novamente, para um qualquer plano inclinado onde opina sem dados. Se tem
dados sobre isso, apresente-os pois caso contrário terá que responder perante a
entidade que avalia os cursos;
17. Acrescento referindo que
já no meu tempo, no Politécnico, reclamávamos que o nosso curso devia ser de 4
anos mais um de estágio mas remunerado como o que acontecia nas Universidades.
Mas isso era um pormenor. Apenas… Mas mais não posso dizer do que para além da
estrutura dos cursos. Mas pior é o senhor que apresenta dúvidas e não as
concretiza… Mas afinal, o Senhor que é o Homem da Ciência e da estatística,
apresenta dados ou não? Apeteceu-lhe dizer isso ou é decorrente de algo
substantivo?
18. Mas talvez não tenha
tempo… De outras alturas já percebi que responder oficialmente a questões,
ouvir as entidades e instituições, etc… são apenas e só “figuras de estilo e
verbos de encher”… Isso é o que dizem mas é pura e redonda mentira…
Esta carta já vai longa, sei que sim. E por aqui
termino referindo que lhe deixo algumas notas com excertos da comunicação
social online onde pode verificar sobre o que falei e quem ler esta carta cruze
informação.
Aproveito para lhe dizer que para além do meu
curso de licenciatura fiz anos mais tarde um mestrado numa universidade, na
mesma onde agora estou prestes a concluir o doutoramento.
Digo-lhe também que desde 1999 sou formador de
professores e tenho umas boas centenas de horas de formação. Estive desde 1999
até 2011 ligado a instituições do ensino superior onde fui docente, que para
além de outras áreas fui também professor na formação inicial de docentes,
acompanhando inclusivamente estágios. Sei do que falo e não admito que aqueles
a quem eu e muitos outros professores conferimos “qualificação profissional”
sejam agora questionados. Se o Senhor Ministro tem dúvidas e acha que há
problemas, vá à raiz dos mesmos ou não tem essa coragem? Ou disse uma série de
coisas que as jogou para o ar sem qualquer fundamento ou rigor que deve ser fundamental
num Homem da Ciência?
Formei esses professores, outros ficaram pelo
caminho… A minha consciência está tranquila… Mas não admito que submeta a
provas aqueles que já foram aprovados para tal… Trata-se de Retroactividade o
que quer fazer…
Uma das muitas convicções que decorriam das
longas reuniões que tinha com os estagiários residia em lhes transmitir o rigor
e que o estágio os iria preparar para a docência (leccionar, reuniões, actas,
direcção de turma, etc, etc, etc…). Sempre acreditei que isso os prepararia…
Mas sempre lhes disse para serem eles mesmos, eles próprios, pensarem por si…
Era o mais nobre… E aquilo que era o mais importante: se numa determinada aula
tivessem que rasgar uma planificação pois havia algo mais importante que deviam
aproveitar para mobilizar a motivação dos alunos para a aprendizagem, que o
fizessem: os grandes professores são isso mesmo, capazes de em instantes serem
geniais… Sem que nada se perca, apenas aquilo que deve ser um professor: um
mágico que desperta nos alunos a vontade de aprender e de crescer. Certamente
os meus antigos alunos, agora meus colegas professores, lembram-se e podem
testemunhar.
Por isso digo-lhe: não lhe admito que duvide da
minha licenciatura e da minha competência. Se o quiser fazer, concretize as
suas suspeitas. Caso contrário, acho que se deve calar e não julgar que só o
Senhor sabe alguma coisa e faz (e continua a querer fazer) de todos nós
estúpidos.
* José
Alberto Rodrigues é licenciado em ensino de Educação Visual e Tecnológica pela
Escola Superior de Educação do Porto, do Instituto Politécnico do Porto – turma
de 1992 a 1996."
NOTAS:
Excelente, Excelente, Excelente!
ResponderEliminarVerdade, Verdade, Verdade!
Licenciei-me na ESE Viseu em ensino de matemática e ciências da natureza. Um curso diversificado, que considero com elevada qualidade no domínio pedagógico, tendo sido, neste âmbito, muito dispendioso. Tivemos as disciplinas citadas, psicologia durante 3 anos (o que nos permite desencadear uma maior sensibilidade e perspicácia junto à criança/adolescente), astronomia, taxonomia, métodos numéricos e programação, música (sim, aprendemos a ouvir, sentir e interpretar compositores clássicos), expressão dramática, educação física (o meu ódio de estimação), geologia, petrologia, fisiologia, estatística, análise matemática, geometria no plano e no espaço, ecologia, física, química (tudo isto em disciplinas anuais); entre muitas outras. Os bons e os maus professores não se distinguiram pelo grau académico (lamento!) mas pela relação pedagógica e o prazer naquilo que ensinavam, cativando-nos. Posso dizer que, passados 17 anos, ainda mantenho contacto com alguns deles!!!
Na pós graduação/ especialização, passei pela faculdade. As instalações cedidas pertenciam a uma privada mas o curso não o era. Em muitos casos, os graus académicos alimentavam egos, ainda que em poucos. Valeu-me uma das condições essenciais para acesso ao curso ser pelo menos 3 anos de experiência na área em causa pois, caso contrário, em muitas disciplinas nada de útil teria aprendido. Teoria, teoria e mais teoria, com frequências e trabalhos lavrados como teses para quê? Para não saber intervir junto a um caso de trissomia 21? Mas já ter, por exemplo, alguma bagagem, de como lidar com casos de suspeita de violação (situações com as quais trabalhei no terreno, chegando mesmo a correr risco de vida e que nem abordadas foram?),...
Saliente-se a vital importância dos educadores de infância e dos professores do 1ºCEB. Por outro lado, ensine-se ao Sr. Ministro (formado em economia, não é verdade? Onde terá realizado o estágio pedagógico? Durante quantos anos?) que o trabalho articulado entre professores dos diferentes ciclos é muito importante e que, de ESE ou faculdade, todos temos os mesmos objetivos: ensinar e preparar os homens do amanhã. Por isso, e se porventura o sr. ministro tem faculdades e ese's com cursos inadequados (aqueles de 1 mês ou menos), faça o favor de os cancelar, sem recear os amigos, não criando conflitos entre aqueles que já trabalham em situações precárias, a km de casa, sem o respeito dos EE e de muitos diretores e/ou sem lugar fixo para morar - os novos ciganos!
Dada a qualidade da exposição desta publicação, irei copiá-la e divulgá-la no meu blogue, fazendo referência ao autor e endereço deste sítio eletrónico, sff.
Muito obrigado.
Eis os links:
Eliminarhttp://sonhosdesencontrados.wordpress.com/2013/12/27/carta-aberta-a-nuno-arrobas-crato-por-jose-alberto-rodrigues/
e
http://sonhosdesencontrados.blogspot.com/2013/12/carta-aberta-nuno-arrobas-crato-por.html
Qualquer reajuste pretendido, por favor disponha.
Muito obrigado.