domingo, 6 de janeiro de 2019

Parte III - Os responsáveis


Anteriormente foi abordada (aqui) a questão relativa ao porquê dos professores contratados não serem capazes de reagir quando existe tanta adversidade contra eles. 

Depois procurou-se (aqui)  explorar algumas das questões que levam a que os mesmos se sintam discriminados por terem funções idênticas aos professores de carreira, mas não usufruirem de direitos semelhantes dentro da mesma profissão.

Agora, outra das razões que contribuirá para a “descrença” sentida pelos professores contratados deve-se ao facto de, na minha opinião, sucessivos ministros da educação terem contribuído (e muito) para o retrocesso da imagem de competência da profissão docente e da qualidade do ensino em Portugal, aos olhos da sociedade civil.

Nomes como David Justino (PSD), Maria de Lurdes Rodrigues (PS), Nuno Crato (PSD/CDS=PAF) e Tiago Brandão Rodrigues (PS) pecaram e pecam pelo facto de não entenderem quais são as reais condições da profissão no terreno e os desafios e sacrifícios necessários, apenas para se conseguir leccionar.

Pior, ao invés de criarem condições para um ambiente de renovação geracional e de transmissão de experiência entre professores, os ministros da pasta da educação demonstraram uma particular apetência para bloquear a renovação dos docentes nas escolas, ao mesmo tempo que precarizaram a imagem e a própria profissão docente. Talvez o maior exemplo desta herança seja a falta de candidatos a professor sentida nos tempos que correm.  

Recordo que David Justino, em 2004, devido a falhas técnicas, “bloqueou” o acesso dos professores contratados aos concursos de professores, criando ao mesmo tempo um dos maiores imbróglios alguma vez visto em concursos nacionais de professores (talvez só Crato tenha novamente direito a esse “prémio”, anos mais tarde). Os problemas criados nesse concurso tiveram consequências incalculáveis (atrasos na entrada na profissão) para os professores contratados, tanto nesse ano como em anos subsequentes (nunca tendo sido “ressarcidos” pela fatídica ocorrência).

 Maria de Lurdes Rodrigues foi uma das ministras que, aproveitando a contigência de uma maioria absoluta do PS, conseguiu implementar mudanças cirúrgicas no ECD e proceder a alterações no regime de avaliação de desempenho para os professores, regime esse que aplicou um sistema de asteriscos (*) que apenas serviram para minar para sempre a seriedade e a harmonia nas listas de ordenação/colocação de professores. Essas reformas criaram um ambiente fértil para a instauração de desconfiança na sociedade civil sobre a competência dos professores e trouxeram um clima de "guerra" e abuso de poder para dentro das escolas. Ainda implementou um sistema de contratação de escola (processo que visou dar ao diretor o “poder” de seleccionar os professores contratados “à la carte”, via entrevistas e reconduções). Foi a partir destas e de outras medidas que se criou uma atmosfera inviável nas relações entre professores e uma desconfiança absoluta da sociedade sobre a competência dos mesmos.

Nuno Crato. Em suma: um dos ministros que mais fez para reduzir os rácios de professores contratados nas escolas. Dois exemplos logo à cabeça: a implementação da PACC e da BCE. Se a PACC serviu para humilhar e obstaculizar o acesso dos professores contratados à profissão, já a BCE foi uma clara tentativa de ir ao encontro dos desejos de alguns directores que, desde  MLR, pretendem ter para si o poder de seleccionarem os docentes “à la carte” (desejo, esse, que perdura até hoje). Provavelmente esse desejo será um dia saciado através da descentralização de competências para as autarquias. Ambos os instrumentos mancharam novamente a forma como se percecionava o sistema de colocações de professores, ao mesmo tempo que se demonizava a competência dos mesmos, apontando o custo orçamental que estes representavam para o país.

Medidas como a abertura da oferta pública para os privados, a redução da contratação de professores (através de, por exemplo, mexidas na organização curricular), levando ao aumento exponencial de desemprego docente e um primeiro-ministro que os mandou abandonar o país, são exemplo dessa mesma demonização.

Como cereja no topo do bolo, os professores contratados ainda tiveram que lidar com muitos dos seus próprios pares e directores de agrupamentos que vestiram a camisola de “executores, aceitando aplicar a vergonhosa PACC.

Este será provavelmente um dos períodos mais negros para quem é ou deixou de ser docente e que deixará marcas para sempre dentro e fora das escolas.

Tiago Brandão Rodrigues e sua equipa ministerial até começou de forma positiva o seu mandato, anulando algumas das nefastas medidas impostas por Crato, tal como a BCE ou a PACC (apesar de - não esqueçamos - continuar no ECD para um dia voltar a “assombrar” novamente os professores). Importante, também, foi o fim da subsidiação do estado aos privados. Mas esse olhar de anulação de medidas não veio acompanhado de uma visão reformadora no combate à precariedade dos professores contratados e, sobretudo, de um sistema mais justo de concursos e de entrada nos quadros. Essa inacção acaba, assim, por ter custos altos para os professores que continuam contratados, pois não vêem qualquer luz ao fundo do túnel, independentemente dos muitos anos de serviço que possam ter prestado. Sim, porque é importante que não esqueçamos que existem muitos professores contratados com a mesma idade ou até mais velhos do que muitos professores de carreira.




(Neomechanica)

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